Este artigo é a tentativa de articulação da teoria Freudiana do complexo de Édipo com o campo sociológico, em especial a relação entre Estado e Indivíduos. É também fruto de reflexões provocadas pelas exposições de Psicanalistas da Escola Lacaniana de Brasília no curso de introdução à Psicanálise e de meu percurso no trabalho social.
Rebeliões no Egito, serviços públicos de má qualidade, mundo virtual, crise, indústria farmacêutica . Como a psicanálise pode pensar sobre estas novas ligações sociais que surgem?
Em Psicologia de grupo e análise do ego, Freud nos fala que poderíamos analisar processos parecidos em grupos sociais mais estreitos, na família, por exemplo, para se chegar a uma melhor compreensão de um instinto social. Este artigo pretende seguir este caminho. A partir da teoria do complexo de Édipo, que se dá na primeira relação grupal do ser humano, a família, buscarei traçar um paralelo com uma dinâmica social, uma “família maior”. Esta proposta é a tentativa de perceber, através desta teoria freudiana, as dinâmicas inconscientes e determinantes na trajetória social dos indivíduos modernos. E ainda vermos que movimentações os humanos fazem nesta sociedade contemporânea.
Freud formulou o complexo de Édipo a partir da tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, que falava da profecia de um parricídio e de um incesto. Laio, o pai, sabendo desta profecia, entregou seu filho recém-nascido a um pastor com a ordem de deixá-lo no monte Cithérion. O pastor descumpriu a ordem, entregando Édipo a um servo do reino de Corinto, que o entrega ao rei, cuja mulher é estéril. O casal real adota Édipo como filho e não lhe falam das suas origens. Édipo, quando adulto, houve boatos de que não seria filho do casal real e decide consultar o oráculo, que anuncia o que já fora anunciado: Édipo iria matar seu pai e casar com sua mãe. Na tentativa de fugir desta horrível profecia, volta a Corinto e parte em direção a Tebas, cruzando com Laio, que se dirigia a Delfos para consultar o oráculo. Os dois brigam neste encontro e Édipo acaba matando Laio sem saber que era seu pai. Jocasta fica viúva de Laio. Creonte, irmão da viúva, assume o reino e oferece o trono da cidade a quem fosse capaz de derrotar a esfinge. Édipo consegue derrotar a esfinge, que desaparece nas trevas. Grato, Creonte não só oferece o reino como a mão de sua irmã, Jocasta. Após um período de prosperidade, uma peste abate Tebas e Creonte é enviado a Delfos para consultar o oráculo, este diz que esta peste é um castigo pelo assassinato de Laio e que só acabaria quando o assassino fosse sacrificado. O rei de Corinto morre, o informante que traz esta mensagem a Édipo fala de suas origens. A partir desta revelação, Jocasta e Édipo começam a acreditar na profecia. Jocasta se enforca e Édipo fura os próprios olhos. Cego, parte para Colona acompanhado de sua filha, Antígona, deixando o trono para Creonte que novamente assume o poder e a profecia se cumpre.
O que levou Freud a usar esta tragédia foram suas histéricas que se queixavam de seus pais perversos e incestuosos em sua realidade psíquica. O uso desta peça ilustra a relação simbiótica que o filho tem com a mãe, seu primeiro objeto de prazer, de amparo e de suprimento de todas as suas necessidades, e a relação amor-ódio a partir do dia que o pai entra nesta relação a dois, barrando o desejo do filho, fazendo um quarto e o colocando lá, ou comprando uma cama separada da dele e de sua mulher. O pai se torna um adversário.
O desenvolvimento do Édipo é entrelaçado pelos desejos sexuais da criança para os pais que, mais tarde, após o período de latência, ocorre uma repressão. Adiante o sujeito sublimará seus desejos sexuais para desejos amistosos em sua tentativa de convívio pacífico na sociedade. (Freud em Psicologia das massas e análise do Ego, p.148). Após o período de latência, o indivíduo está pronto para ser inserido na cultura e começa a percorrer (ou não) os caminhos que a sociedade o propõe.
Fazendo uma nova configuração desta relação, proponho aqui em ver uma instância paterna no Estado, enquanto Governo Soberano, e uma instância materna em seus serviços de assistência ao cidadão, já que destes é proveniente toda a sensação de amparo do indivíduo, ou assim deveria ser. Freud dá pistas de que estou indo bem nessa análise quando leio Totem e Tabu e percebo que, nas configurações das tribos primitivas citadas na obra, existia um pai que em troca de favores, exigia o respeito de seus filhos. Neste momento, a força fazia a lei. Um dia, os filhos se unem e se revoltam contra este pai que amam odiando e o matam. Neste terceiro momento se dão conta de que o que cada um queria em segredo – tomar o lugar do pai – não poderá ser feito, assim, renunciam à satisfação incestuosa (TABU), pois ocupariam o lugar do pai, gerando mais violência, e vão em busca de suas mulheres em outras tribos, instalando assim o horror ao incesto e à exogamia (união de raças distintas). O pai, a partir de então, é um ser mítico que continua tendo influência sobre seus filhos, mesmo morto (TOTEM). Freud deixa claro que daí também surge a configuração das religiões de nossa época, dando amparo aos sobrecarregados através de um pai “vivo-morto” e estabelecendo preceitos morais, fato que aqui não terei tempo para abordar.
Destaco aqui trecho do livro Totem e Tabu – Um mito Freudiano, de Caterina Koltai que diz:
“(…)O importante é que se preserve o fundamental, a lei universal da proibição do incesto que assegura a subjetivação. Se não for pela lei do pai, será por outras leis, visto que para ele os simbólicos são múltiplos e historicamente mutantes.
(…) Freud, em 1913, ao escrever Totem e Tabu, não estava à procura de um equivalente sociológico ou histórico do complexo de Édipo. O que interessava era afirmar que as sociedades humanas eram fruto da articulação mítica do assassinato do pai da horda por seus filhos, assim como da proibição do incesto daí decorrente e do estabelecimento de um laço social pela culpa, unindo post mortem o pai e a lei.”
A este filho-sujeito-cidadão resta o desamparo e mecanismos que julga serem meios de conseguir sua independência social com a intenção de depender menos deste Estado-Pai.
Este Estado-Pai é norteador da conduta social dos sujeitos, com suas leis e castrações aos rebeldes, cobrando de um lado, e prometendo seguridade, por outro. Parece-me o impasse visto em famílias que os pais têm dificuldades de assumir seu lugar quando o filho pergunta: Pai, posso fazer isso ou aquilo? O Pai responde: pergunte à sua mãe! À criança falta a resposta, o amparo, o olhar ou talvez a pergunta socrática: Por quê?! Fazendo a criança elaborar seu desejo. Na família social, esta falta de seguridade é o motor das tensões sociais por não amparar seus filhos. Este sistema tem outro combustível essencial que é o dinheiro, exageraríamos aqui em dizer que o dinheiro age como uma pulsão?
Os filhos que possuem este combustível pagarão (nos dois sentidos) pela pendência deixada pela mãe e pelo pai, os filhos que não possuem, clamarão por serem reconhecidos “cidadãos de direito”.
Na tentativa de emancipação, me lembro do Grande Irmão da obra 1984, de George Orwell. O grande irmão está olhando para todos e tudo, ouve-se sua voz nos parques, seus mandatos, suas leis, todos o respeitam, mas nunca o viram. Esta dúvida em ser visto ou não, por este Ser Supremo, detentor da ordem da cidade, é a grande causadora de uma neurose coletiva. Volto a Freud em Psicologia das massas que cita a Igreja e o exército como exemplos de grupos bem estruturados a partir da identificação de seus membros, bem como o investimento libidinal no líder. Koltai diz: “A massa aqui descrita se organiza sustentada na ilusão, a da presença visível ou invisível de um chefe que ama todos os membros com o mesmo amor, o que permite que os membros do grupo também se amem entre si, uma vez que cada um deles substitui seu ideal por um mesmo objeto comum, o líder” (IDEAL do EGO)
A contemporaneidade exige respostas da Psicanálise. Novas formas de famílias surgem, o virtual é registrado na análise como um tempo on line, a angústia do existir faz a indústria farmacêutica produzir ansiolíticos mais potentes e a omissão do Pai-Estado faz surgir padrastos com o nome de ONG. Caterina Koltai questiona se estamos vivendo em uma cultura de totens sem tabus, e percebemos isso no aumento da violência. Será uma decadência do pai?
Lacan nos fala do declínio da imago paterna em sua tentativa de transformar o pai numa função simbólica. A Lei do Pai inscreve o sujeito na linguagem. O que acontece àqueles que não se inserem nesta lei? Podemos pensar no aumento da população carcerária, por exemplo, como um retorno a um Pai tirânico?
Faço uso aqui de Michel Foucalt dizendo:
“Estamos sob o signo do “vigiar de perto”. Dizem-nos que a justiça está sobrecarregada. Nós bem o vemos. Mas, e se foi a polícia que a sobrecarregou? Dizem-nos que as prisões estão superpovoadas. Mas, e se foi a população que foi superaprisionada?” (Em Vigiar e Punir)
Revoluções como a do Egito, ao “matar o pai” tirânico, faz surgir um desamparo seguido da pergunta: quem colocará no lugar?
Para mim, enquanto filho deste Pai-Estado e estudioso da clínica de Lacan resta a tentativa de se deslocar, de um “ser no mundo” para “ser do desejo”, acreditando que alguns sintomas dos analisandos são frutos de uma implicação política e que a teoria psicanalítica tem muito a dizer destes processos. A análise possibilita dispositivos para o neurótico produzir através de sua neurose. Em relação a isso, Lacan tem dois aforismos interessantes: “O inconsciente é a política” e “o inconsciente é o discurso do Outro”. Estamos fadados assim a cantar o canto do mal estar na civilização?
*Originalmente publicado no ano de 2012