Um coração

As vezes não significa nada.

A depender de nossa carência pode significar tudo.

Um símbolo que pode gerar objetividades.

Um objeto simbólico que pode despertar a imaginação.

Like, que na tradução portuguesa significa “gostar”, mas também pode ser usado como “parece”. Um parecer gostar, ou um gostar parecendo.

O signo nem sempre é significado.

Para ter significado é necessário linguagem, uma cadeia de significantes.

Até que se torne língua, like e gostar não significam a mesma coisa.

Gostar merece fala, entrelace de descuidos entre pessoas, uma vez que a linguagem pode não comunicar.

O like carece de fala e de sujeitos falantes na frente de uma tela, que carece de um outro.

O like pode algo, principalmente um vazio.

Capoeira e a vida

*Vinicius Dias

Um dos sentidos das cosmovisões africanas é a capacidade de uma coisa poder ter vários sentidos e empregabilidade. Algo inclusive de difícil entendimento quando estamos inseridos em lógicas segmentárias. A capoeira é um bom exemplo da sentença inicial deste post.


Na tese “Psicose, corpo e capoeira: um estudo teórico clínico”, Nunes (2019) analisa a experiência de emprego da capoeira como um método terapêutico e interventivo para pacientes de um CAPS 2 em Brasília. Nunes (2019) aponta para os diversos avanços que a prática integrativa leva aos pacientes. Cooperação, manejo da raiva, maior consciência do corpo, participação protagonista, ritmo, estímulo a elaboração do imaginário, entre outros avanços.

O autor deixa evidente que o jogo da capoeira permite uma ampliação para além dos binômios corpoXintelecto, objetivoXsubjetivo, universalXcomunitário. Aspectos de outra ordem podem ganhar força no conjunto de ações que acontecem no fazer capoeirístico. O profissional que propõe tal prática tem conhecimento das técnicas, mas jamais poderá saber o que irá acontecer na interação da roda. A roda é a vida: inédita! E é preciso disposição pra se abrir ao jogo. O berimbau dá o toque do ritmo e “manipulará” o corpo que é envolvido com o canto, as palavras entoadas, a energia grupal, e por aspectos inconscientes que impulsionam o/a jogador/jogadora a se colocar cada vez mais como pessoa, e ter acesso a possibilidades e limitações a partir de si e em colaboração com os outros (grupo). É incentivado ao pertencimento, uma vez que a capoeira tem o batismo, um rito onde o/a jogador/jogadora será reconhecido como integrante oficial do grupo, inclusive recebendo um novo nome de seu/sua mestre/mestra.


A tese coloca a memória como um elemento de cura, dada através das significâncias práticas que o corpo vai adquirindo. Em determinado momento o autor diz: “quem pensa muito durante o jogo não consegue se permitir à experiência e não consegue jogar capoeira”(p.101). O autor também recorre ao grande mestre Muniz Sodré que deixa a sua contribuição falando sobre a participação e a não participação como uma ironia do corpo por meio da malícia (p. 102).

Malandragem como riqueza onde tudo é junto: som, corpo, instrumentos, cheiro. Outra fala interessante é a de Mestre J, que fala que o grupo “cria uma atmosfera”. Magia seria a criação de uma atmosfera (p. 113) . Por último queria destacar o valor da capoeira neste trabalho como manejo da raiva e a alegria como um potencial fator de cura.


Fonte: JUNIOR, ANTONIO CARLOS NUNES DE CARVALHO. Psicose, corpo e capoeira: um estudo teórico clínico. Tese de doutorado. Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. 2019.

Foto retirada do blog abelhudonews.blogspot.com

Posts pra esquecer

Segundo Post

Neste momento de pandemia e quarentena (pra alguns) o fluxo e a quantidade de informações é absurdo. Na semana passada resolvi fazer uma série de posts/cards com mensagens rápidas, simples, com conteúdos ligados a desaceleração, respiração e tudo mais que questionava este movimento de rapidez que está causando muita ansiedade em diversas pessoas.

Se você tá consumindo muita coisa e esquecendo do mais importante: você! Te convido a…primeiramente parar! Respirar fundo (só duas respirações profundas. Sinta a diferença…) e depois ir lá no IG @sankofa_terapia e dar uma olhada nos cards. Tem textão, tem texto médio e tem ausência de texto. Só o card.

Por incrível que pareça neste momento precisamos exercitar o esquecer. Esquecer as coisas que nos fazem lembrar que não damos conta. Não tem como dar conta de tudo. Um estudo realizado pela Universidade da Califórnia, em San Diego, indica que cada norte-americano consome, em média, 34 GB (gigabytes) de informação por dia quando está fora do trabalho. Essa média de 34 GB ou 100,5 mil palavras por dia indica que, em um ano, os americanos consumiram informação por 1,3 trilhão de horas, ou 11,8 horas diárias. O consumo no ano totalizou 3,6 zettabytes (1 sextilhão de bytes) ou 10,845 trilhões de palavras, sem contar o ambiente de trabalho.

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Tempo verbal

Por Mutalekongo

Não se despeça insensivelmente, pois nada mais fará que sejas fútil no olhar, insensato no aperto de mão. Irás olhar a cada bolhinha de olho e acreditar que ali caminha a esperança de cada um. Isso lacrimejará tua íris, sufocada de coração. Lembra do cheiro do café que te acordava antes do raio de sol? Dará tanto valor, que agradecerá fritando um ovo, também servindo. Jogará manteiga no aipim com toda a atenção que o alimento e o alimentar merece. E servindo sempre achará algo que não lhe serve, mas que serve tanto pra aquele que tem menos. E avaliará que tem tanto, mas tem tanto, e assim diminuirá tuas reclamações. Sentirá com aceitação o calor, a chuva, o suor, o deitar, o caminhar, a ventania, pois nada é em vão. E assim pesará menos o clima e o peso sobre a terra que te acolhe e um dia te levará num abraço. Não há preocupações com um tempo que ainda não chegou e assim, vivendo o que se apresenta , celebrará como se celebra uma peça de teatro quando abre as cortinas em silêncio ou um filme esperado. Viverá todos os finais de semana com a potência de quando eles chegarem e impotente antes de se anunciarem, pelo simples fato de não poder viver o futuro. Voltará ao que tu ama sendo menos ingrato, e o que te ama ficará, sem falas confusas e alardes de calamidades que nunca acontecerão. Não se preocupará com dissintonias alheias, pois diante do furor da intriga tu permanece são, e aliado a verdade. E assim, o de contrário se vai sem fazer força. E isso não é proteção, é um fractal que tu emana invisível e sabe que ele se reproduz. Rezará mais. E pode começar de agora. MAS SEM PRESSA. Usará os mesmos verbos e entonações de amor que usa com teus amigos, pois Deus é teu amigo. Precisa entender isso de uma vez por todas. Agradece desde já, e este eco de benfazejo se revigora na tua própria esperança no mesmo movimento ressoante mas silencioso do gineceo e pólen. Não será criação, pois tu já é tudo que tinha que ser. Tem pão, tem teto, tem amigos, tem amor. Resposta do ar que tu mesmo injetou no pulmão sugando mais vida. E sopra com hálito fresco acompanhado de sorriso que carrega a coisa mais bela que Deus te deu: a existência.

O real, o irreal, o medo, o pânico.

Vinicius Dias*

Nós seres humanos somos altamente influenciáveis e influenciadores, o jogo entre eu e o outro gera sentimentos desconexos que algumas vezes não conseguimos nem nomear. Vejamos as crianças com medo do escuro, de algum monstro ou de alguma coisa que irá acontecer. Qual o papel do adulto nestes momentos ? Eu não quero dar respostas únicas, mas um dos papéis é acalmar e se mostrar presente como proteção àquela REALIDADE infantil. Com o tempo algumas crianças vão deixando certa realidade e estruturando-se para ser mais inteiro na superação dos desafios.
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Vivemos em um país agressivo, o medo da morte violenta é real para determinados públicos, mas nem todos sentimos desta forma. Isso cabe perfeitamente para estados de Pânico coletivo e sensações de ansiedade generalizada. Neste sentido as grades de condomínios denunciam um público que se antecede ao medo da violência e julga que o externo é o perigo. Geralmente a construção do perigo adquire aspectos particulares e se personifica na imagem do “outro perigoso” que “precisa” ser combativo. Esta ilusão é cada vez mais desbancada quando vemos o envolvimento de figuras do alto escalão dos poderes envolvidos em escândalos criminosos.
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Ampliando esta discussão precisamos pensar que em nosso contexto, ainda temos grupos que lucram com a desgraça social. A sociedade capitalista (e portanto individualista e competitiva) precisa estimular a necessidade na massa em adquirir bens. O mercado também regula nossa fantasia. Prisões enriquecem empresários que fazem quentinhas, pobres auxiliam no pagamento de juros de banqueiros, empresas de segurança se aperfeiçoam em armamentos que controlam corpos periféricos, ônibus levam bem estar aos donos da frota e seus familiares, mas não ao público que usa o serviço na periferia. A base da pirâmide sustenta o pequeno pico.
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Atenção a si, responsabilidade consigo e com sua comunidade, de maneira realista e possível. É o que desejo.

*Vinicius Dias é Psicólogo

O mínimo e o máximo pra nós .


Trabalho com famílias que tiveram vários direitos violados. A equipe multidisciplinar foca no referenciamento em equipamentos que garantam a reinserção de direitos basicos na dinâmica familiar. Falo de algumas famílias que foram acessadas pelo Bolsa família ou pelo BPC, que a equipe tenta garantir o aluguel social, a pensão por morte ou uma consulta médic, escola pros filhos. Isso é o mínimo! Parece que a gente tá afastado do sentido das palavras. Pense nas palavras: direito, básico, mínimo. Parece a essência pra algo acontecer. Uma instância de base pra alguma coisa surgir. E é isso mesmo: o básico, o salário mínimo, o auxílio pra dignidade social emergir. Se você não precisa, de graças a Deus. Mas milhões de famílias precisam e estão passando por um momento de fragilidade destas garantias. É triste! É o mí.ni.mo! .
Enquanto psicólogo que compõe a equipe multidisciplinar foco no bem-estar e na inclusão das famílias nos equipamentos de saúde: CAPS, UPA, UBS, projetos sociais, igrejas (dependendo da fé de cada um). .
Tem um aspecto que me chama muito atenção nestes atendimentos. Qualquer promoção de lazer, de questões que estão fora do mínimo parece um luxo para os nossos. .
Fomos ao cinema com uma família. Ao entrar no carro sabia que a mãe gostava de pagode. Colocamos para tocar o CD do Pixote. Isso constrangeu a senhora. Achou que estava incomodando. .
Talvez nós não conseguiremos desajustar toda uma história de negligência social, de violência, de desamparo ou de depressão, mas que foi bonito ver aquela mulher cantar junto “é o brilho do seu olhar que me leva a loucura. Pode ser minha cura essa febre de amar… nosso amor será sempre assim, um brilho de cristal”. Um sorriso se abriu. .
Tão mínimo. Um som ligado e a ida ao cinema com seus filhos pra ver Rei Leão. .
Tão mínimo e ao mesmo tempo tão máximo. .
Não é constitucional, mas garantir a alegria é cidadania. E no curso de psicologia não tem a recomendação do pagode como meio de empoderamento. .
Que estejamos atentos aos mecanismos que iremos usar em nossas práticas de cuidado com nosso povo. .
Obrigado rua por ser professora.
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#psicologiapreta

O Complexo de Édipo e o Estado paterno*

Este artigo é a tentativa de articulação da teoria Freudiana do complexo de Édipo com o campo sociológico, em especial a relação entre Estado e Indivíduos. É também fruto de reflexões provocadas pelas exposições de Psicanalistas da Escola Lacaniana de Brasília no curso de introdução à Psicanálise e de meu percurso no trabalho social.

Rebeliões no Egito, serviços públicos de má qualidade, mundo virtual, crise, indústria farmacêutica . Como a psicanálise pode pensar sobre estas novas ligações sociais que surgem?

Em Psicologia de grupo e análise do ego, Freud nos fala que poderíamos analisar processos parecidos em grupos sociais mais estreitos, na família, por exemplo, para se chegar a uma melhor compreensão de um instinto social. Este artigo pretende seguir este caminho. A partir da teoria do complexo de Édipo, que se dá na primeira relação grupal do ser humano, a família, buscarei traçar um paralelo com uma dinâmica social, uma “família maior”. Esta proposta é a tentativa de perceber, através desta teoria freudiana, as dinâmicas inconscientes e determinantes na trajetória social dos indivíduos modernos. E ainda vermos que movimentações os humanos fazem nesta sociedade contemporânea.

Freud formulou o complexo de Édipo a partir da tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, que falava da profecia de um parricídio e de um incesto. Laio, o pai, sabendo desta profecia, entregou seu filho recém-nascido a um pastor com a ordem de deixá-lo no monte Cithérion. O pastor descumpriu a ordem, entregando Édipo a um servo do reino de Corinto, que o entrega ao rei, cuja mulher é estéril. O casal real adota Édipo como filho e não lhe falam das suas origens. Édipo, quando adulto, houve boatos de que não seria filho do casal real e decide consultar o oráculo, que anuncia o que já fora anunciado: Édipo iria matar seu pai e casar com sua mãe. Na tentativa de fugir desta horrível profecia, volta a Corinto e parte em direção a Tebas, cruzando com Laio, que se dirigia a Delfos para consultar o oráculo. Os dois brigam neste encontro e Édipo acaba matando Laio sem saber que era seu pai. Jocasta fica viúva de Laio. Creonte, irmão da viúva, assume o reino e oferece o trono da cidade a quem fosse capaz de derrotar a esfinge. Édipo consegue derrotar a esfinge, que desaparece nas trevas. Grato, Creonte não só oferece o reino como a mão de sua irmã, Jocasta. Após um período de prosperidade, uma peste abate Tebas e Creonte é enviado a Delfos para consultar o oráculo, este diz que esta peste é um castigo pelo assassinato de Laio e que só acabaria quando o assassino fosse sacrificado. O rei de Corinto morre, o informante que traz esta mensagem a Édipo fala de suas origens. A partir desta revelação, Jocasta e Édipo começam a acreditar na profecia. Jocasta se enforca e Édipo fura os próprios olhos. Cego, parte para Colona acompanhado de sua filha, Antígona, deixando o trono para Creonte que novamente assume o poder e a profecia se cumpre.

O que levou Freud a usar esta tragédia foram suas histéricas que se queixavam de seus pais perversos e incestuosos em sua realidade psíquica. O uso desta peça ilustra a relação simbiótica que o filho tem com a mãe, seu primeiro objeto de prazer, de amparo e de suprimento de todas as suas necessidades, e a relação amor-ódio a partir do dia que o pai entra nesta relação a dois, barrando o desejo do filho, fazendo um quarto e o colocando lá, ou comprando uma cama separada da dele e de sua mulher. O pai se torna um adversário.

O desenvolvimento do Édipo é entrelaçado pelos desejos sexuais da criança para os pais que, mais tarde, após o período de latência, ocorre uma repressão. Adiante o sujeito sublimará seus desejos sexuais para desejos amistosos em sua tentativa de convívio pacífico na sociedade. (Freud em Psicologia das massas e análise do Ego, p.148). Após o período de latência, o indivíduo está pronto para ser inserido na cultura e começa a percorrer (ou não) os caminhos que a sociedade o propõe.

Fazendo uma nova configuração desta relação, proponho aqui em ver uma instância paterna no Estado, enquanto Governo Soberano, e uma instância materna em seus serviços de assistência ao cidadão, já que destes é proveniente toda a sensação de amparo do indivíduo, ou assim deveria ser. Freud dá pistas de que estou indo bem nessa análise quando leio Totem e Tabu e percebo que, nas configurações das tribos primitivas citadas na obra, existia um pai que em troca de favores, exigia o respeito de seus filhos. Neste momento, a força fazia a lei. Um dia, os filhos se unem e se revoltam contra este pai que amam odiando e o matam. Neste terceiro momento se dão conta de que o que cada um queria em segredo – tomar o lugar do pai – não poderá ser feito, assim, renunciam à satisfação incestuosa (TABU), pois ocupariam o lugar do pai, gerando mais violência, e vão em busca de suas mulheres em outras tribos, instalando assim o horror ao incesto e à exogamia (união de raças distintas). O pai, a partir de então, é um ser mítico que continua tendo influência sobre seus filhos, mesmo morto (TOTEM). Freud deixa claro que daí também surge a configuração das religiões de nossa época, dando amparo aos sobrecarregados através de um pai “vivo-morto” e estabelecendo preceitos morais, fato que aqui não terei tempo para abordar.

Destaco aqui trecho do livro Totem e Tabu – Um mito Freudiano, de Caterina Koltai que diz:

“(…)O importante é que se preserve o fundamental, a lei universal da proibição do incesto que assegura a subjetivação. Se não for pela lei do pai, será por outras leis, visto que para ele os simbólicos são múltiplos e historicamente mutantes.

(…) Freud, em 1913, ao escrever Totem e Tabu, não estava à procura de um equivalente sociológico ou histórico do complexo de Édipo. O que interessava era afirmar que as sociedades humanas eram fruto da articulação mítica do assassinato do pai da horda por seus filhos, assim como da proibição do incesto daí decorrente e do estabelecimento de um laço social pela culpa, unindo post mortem o pai e a lei.”

A este filho-sujeito-cidadão resta o desamparo e mecanismos que julga serem meios de conseguir sua independência social com a intenção de depender menos deste Estado-Pai.

Este Estado-Pai é norteador da conduta social dos sujeitos, com suas leis e castrações aos rebeldes, cobrando de um lado, e prometendo seguridade, por outro. Parece-me o impasse visto em famílias que os pais têm dificuldades de assumir seu lugar quando o filho pergunta: Pai, posso fazer isso ou aquilo? O Pai responde: pergunte à sua mãe! À criança falta a resposta, o amparo, o olhar ou talvez a pergunta socrática: Por quê?! Fazendo a criança elaborar seu desejo. Na família social, esta falta de seguridade é o motor das tensões sociais por não amparar seus filhos. Este sistema tem outro combustível essencial que é o dinheiro, exageraríamos aqui em dizer que o dinheiro age como uma pulsão?

Os filhos que possuem este combustível pagarão (nos dois sentidos) pela pendência deixada pela mãe e pelo pai, os filhos que não possuem, clamarão por serem reconhecidos “cidadãos de direito”.

Na tentativa de emancipação, me lembro do Grande Irmão da obra 1984, de George Orwell. O grande irmão está olhando para todos e tudo, ouve-se sua voz nos parques, seus mandatos, suas leis, todos o respeitam, mas nunca o viram. Esta dúvida em ser visto ou não, por este Ser Supremo, detentor da ordem da cidade, é a grande causadora de uma neurose coletiva. Volto a Freud em Psicologia das massas que cita a Igreja e o exército como exemplos de grupos bem estruturados a partir da identificação de seus membros, bem como o investimento libidinal no líder. Koltai diz: “A massa aqui descrita se organiza sustentada na ilusão, a da presença visível ou invisível de um chefe que ama todos os membros com o mesmo amor, o que permite que os membros do grupo também se amem entre si, uma vez que cada um deles substitui seu ideal por um mesmo objeto comum, o líder” (IDEAL do EGO)

A contemporaneidade exige respostas da Psicanálise. Novas formas de famílias surgem, o virtual é registrado na análise como um tempo on line, a angústia do existir faz a indústria farmacêutica produzir ansiolíticos mais potentes e a omissão do Pai-Estado faz surgir padrastos com o nome de ONG. Caterina Koltai questiona se estamos vivendo em uma cultura de totens sem tabus, e percebemos isso no aumento da violência. Será uma decadência do pai?

Lacan nos fala do declínio da imago paterna em sua tentativa de transformar o pai numa função simbólica. A Lei do Pai inscreve o sujeito na linguagem. O que acontece àqueles que não se inserem nesta lei? Podemos pensar no aumento da população carcerária, por exemplo, como um retorno a um Pai tirânico?

Faço uso aqui de Michel Foucalt dizendo:

“Estamos sob o signo do “vigiar de perto”. Dizem-nos que a justiça está sobrecarregada. Nós bem o vemos. Mas, e se foi a polícia que a sobrecarregou? Dizem-nos que as prisões estão superpovoadas. Mas, e se foi a população que foi superaprisionada?” (Em Vigiar e Punir)

Revoluções como a do Egito, ao “matar o pai” tirânico, faz surgir um desamparo seguido da pergunta: quem colocará no lugar?

Para mim, enquanto filho deste Pai-Estado e estudioso da clínica de Lacan resta a tentativa de se deslocar, de um “ser no mundo” para “ser do desejo”, acreditando que alguns sintomas dos analisandos são frutos de uma implicação política e que a teoria psicanalítica tem muito a dizer destes processos. A análise possibilita dispositivos para o neurótico produzir através de sua neurose. Em relação a isso, Lacan tem dois aforismos interessantes: “O inconsciente é a política” e “o inconsciente é o discurso do Outro”. Estamos fadados assim a cantar o canto do mal estar na civilização?

*Originalmente publicado no ano de 2012

1 ano de conversa com homens negros

1 ano! 
1 ciclo!
1 volta, 1 roda, várias vidas.
O círculo formativo da União que inicia no mais velho e CONTINUA (não termina) no mais novo.
A responsa! O procedê! O olho no olho diante da tua verdade.
Tempos difíceis cantaram Racionais. Nós concordamos. Mas discordamos que “fazer o que se cadeia é pra homem”. A roda nos ensinou a concordar e a discordar sem a necessidade de ser desagradável. Mas teve desagrado. Teve paixões. Teve laços fortificados. Teve quem nunca mais voltou, saiu vociferando e teve quem agradeceu. O movimento circular faz isso. Mas resistência parece algo que tá no sangue, veja candomblé, veja samba, veja Jongo, capoeira, umbigada, e amplie seu olhar pro mano e pra mana que vende paçoca no farol, cafezinho na rodoviária. Nós continuamos!! Aprendemos e precisamos continuar, pois as voltas que o mundo dá deixam parceiros e parceiras pelo caminho, e nós só queremos viver. Viver bem. Isso parece pouco pra alguns mas sobre nossas costas carregamos um alvo individual e uma estatística coletiva. De um povo. De uma história triste que se iniciou lá pelo século 16. Sentimos ainda o balançar do navio atualizado em nossos tênis. Sentimos a confusão do que disseram o que era ser um esposo, um pai, um parceiro. A maioria não teve tantos exemplos. A rua foi escola, o Hip-Hop, o Samba e principalmente elas, as mulheres. Mas tamo ae pra dividir o peso histórico. A cada quinze dias contando com irmãos que saem de seus trampos, que se arrumam pra vir aqui, no restaurante Simbaz (que merece todo nosso agradecimento) falar de si. Ouvir. Chorar e gritar. Somos isso e muito mais, somos pra além de chorar, de poder usar rosa ou de de ter um pau grande. Somos além do masculino ou feminino ocidental, mas sim o espiral representativo da Kundaline que perpassa masculino e feminino e deve-se buscar equilíbrio. .
Precisamos ser exemplo. Olhar a criança e ser “aquele louco que não pode errar”. . .
Somos gente. Somos homens. Somos negros e continuamos o legado de Zumbi.
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@simbazbrasil estará durante todo o mês de agosto arrecadando doações de absorventes para a unidade prisional feminina de Luziânia.
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#RodaDeConversas#MasculinidadeNegra

Descolonizar a linguagem*

Olhe bem pra esta imagem!
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Perceba que tudo é linguagem.
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Roupa, corte de cabelo, enganos, o não que quer dizer sim, o sim, que gostaria de sair como não.
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A linguagem é o principal meio de nos comunicarmos. As sociedades ocidentais colocaram grande importância na linguagem escrita e na forma “científica” de medição dos fenômenos. Mas esta não é a única forma de se comunicar. Corpo, dança, histórias, objetos também fazem parte de outras possíveis comunicações, de outros povos que percebem o mundo diferente do que está posto. Não existe melhor nem pior nisso. O ruim é querer sobrepôr saberes diferenciados para fins de segregação, subjugar e desfazer do outro. E assim estabelecer uma relação de poder baseada na violência.
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Novas narrativas são necessárias diante de uma cultura imposta! Isso é o que diversos psicólogxs pretxs estão tentando fazer em seus consultórios e nas suas práticas sociais. Descolonizar a psicologia!
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#psicologiapreta#negritude#diasporaMente#Comunicacão#Bantos#psicologia

Corra! Bolsonaro vem aí!*

Originalmente publicado no Facebook em 10 de Maio de 2018

Ano de 2035, arredores de Rurrenabaque, Bolívia. A caracterização do que antigamente se chamava de Preto Velho, lá estava ele, sentado em toco de Tatajuba formando a roda de 20 meninos e meninas. Cobertos pelo céu verde da mata fechada, Ulisses pitava seu cachimbo ao mesmo tempo que deslizava a tela do aparelho pra recorrer a textos na íntegra.
“Poucos deram atenção para a peça “Namíbia Não” de Lázaro Ramos. Ela era uma profecia!”, denunciava com o dedo em riste.

Continuava…

No País em que eu nasci e seus ancestrais améramos a linhagem conhecida como diaspória. Bolsonaro foi eleito e o plano de retornar todos os afrodecendentes pra África foi executado. Muitos resistiram. Ficaram no Brasil. Baixou-se um decreto que os cidadãos poderiam andar armados. Os autos de resistência se ampliaram para a população branca como executora de mortes juntamente com a polícia e o exército, que justificavam ter matado negros e negras porque com o decreto 1500/2018, popularmente conhecido como “Go Back to África” e a Lei 30.171 (que determinava aos defensores de direitos humanos levar bandidos pra casa) a criminalidade aumentou nas ruas. As mortes seguiam o mesmo padrão de janeiro de 1960 a fevereiro de 2019: tiros pelas costas, projéteis clandestinos e investigações engavetadas. O país matava muita gente e o subjetivo do brasileiro em nada se abalava com corpos melanizados mortos. Diziam as más línguas que o presidente ganhava porcentagem de “lucro” em cada morte patrocinada pelas empresas de armamentos brasileiras e ja providenciava acordo bilateral de livre comércio e entrada de empresas americanas e chinesas. Eu só ouvia boato nas ruas, justificava Ulisses baforando o arredor.

Essas atitudes políticas aumentariam a oferta de trabalho nos presídios, assim como a produção das empresas de quentinhas, a produção têxtil, as empresas de monitoramento e a saúde como detecção de problemas e encaminhamentos para medidas drásticas como a internação compulsória e manicomial. O mercado competitivo iria aumentar, as propostas de empregos cresceriam e empresários nacionalistas iriam se acabar de ganhar dinheiro. “Vê como através da matança de negros e indígenas a econômia alavanca? As pessoas diziam que eu era louco”, falava o presidente em cadeia Nacional de rádio e televisão no seu programa semanal.
-Isso parece ficção Vovô, sorria Malibi, uma das criançtas ao ouvir o Preto velho na roda.

Ulisses soltava sua velha gargalhada desdentada e reafirmava: – Sim, parece! Mas deixa Seu Vô continuar…

O Conselho Pela Preservação do Povo Diaspórico (CPPD), resolveu ampliar as bandeiras de luta do povo negro através do serviço de base e formação de pardos indecisos e brancos simpatizantes. Os indígenas através do Seminário Clandestino realizado na cidade de Tiradentes determinou que todos os povos e etnias deveriam buscar apoio e moradia nos países da América do Sul e abandonar o Brasil. Assim foi feito. Nenhum indígena permaneceu no Brasil pois sabia que a execução do projeto de lei 150.000, de autoria do nobre deputado João Fazenda Transgenicácio iria passar na Câmara e no Senado sem alterações. As duas representantes das minorias na Câmara e no Senado foram acusadas de insanidade mental e presas compulsoriamente pela polícia legislativa. A acusação contra elas veio da assessoria médica do vice presidente que alegava: “desempenho intelectual deficitário”. No laudo (publicado em jornal e catalogado no CID 11) podia ler as especificidades do transtorno: “ler fatos atuais através de contextualização histórica. A paciente mostra sérias dificuldades em viver o tempo espaço atual se projetando sempre ao passado e futuro temerário.”

A população brasileira já tinha o quantitativo de 90 milhões de habitantes. Em sua maioria povos caucasianos, arianos e europóides. O serviço de assistência social ajudava o país com o catálogo de indecisos em relação a sua cor enquanto o Ministério da cultura executava uma IN (Instrução normativa) onde o samba e candomblé deveriam ser a partir de 2020 considerados patrimônio imaterial e portanto apenas existir na memória do povo “originário” que permaneceu no Brasil.

Em 2030 no Congresso Internacional da resistência Negra (CIRN), realizado em Serra Leos, uma delegação de Brasileiros ( intitulados como Brancos esquerdista) teve assentamento e representatividade. Apesar da pressão externa de África em defender a não participação de Brasileiros. Jornais do Brasil acusaram as delegações africanas de racismo inverso, mas isso é tema da nossa próxima formação. Ao serem questionados pela preservação do Samba e Matrialidade dos aspectos filosóficos e religiosos africanos em diáspora, o Delegado Igor Zvithez leu o relatório 00 que dizia:
(Ulisses saca seu celular, coloca seu pingente chamado de “Chave de Ankh” nos olhos, que vira um óculos e narra o relatório)

“O governo brasileiro trabalha arduamente na manutenção e ampliação da democracia brasileira. Neste sentido o artigo histórico da liberdade de crença e culto, e neste sentido vemos o samba, e outras manifestações culturais como a macumba por exemplo. Ambas as manifestações são garantidas por lei, se adequando as normativas de silêncio noturno para o bem convívio da sociedade brasileira.
Após a sanção presidencial acordo 30.346 de 2019 os povos afrodiaspóricos do Brasil saíram da terra tupiniquim que os acolheu com forte migração para o continente africano e Ásia menor, ficando a manutenção e difusão destas culturas a etnias brasileiras brancas que justificavam o direito de cultuar entidades demoníacas e de manifestações arcaicas e rudimentares. O ministério da cultura através do estudo “religiosidade brasileira: democracia, fé e politica” constatou que o povo branco agregou valores a estas manifestações, traçando o que hoje temos no Brasil como a manifestação Rural candomblé pop e Umbanda Branca Bem e vertentes Zen Bundista no Sul. Temos ainda manifestações urbanas como a Rave de São Sebastião que mistura incorporações limpas com uso de ansiolíticos. O país atualmente conta com uma população de 20.000 adeptos destas religiões adaptadas. Este dado e o gráfico exposto nos faz ver que manifestações antigas como o Candomblé, a Umbanda e o Samba não existem mais deixando claro assim o protagonismo do povo branco na dinâmica de atualização das práticas primitivas que estes grupos tinham em sua relação com a natureza e o mundo em geral. Além do mais cabe destacar que a matança de animais é criminalizada pelo decreto XT 22/2020 podendo apenas ser usada a seiva vegetal como artifício religioso de tais práticas. Como podemos peeceber o governo brasileiro trabalha pra uma democracia participativa, a ampliação dos aspectos culturais e a soberania nacional plena.

Queria apenas destacar a importância do povo branco na manutenção destas práticas religiosas. Lembro-me muito bem de uma época que éramos acusados de oportunistas e que nem mesmo tínhamos o direito de termos um Orixá. Com muita luta e resistência superamos as diferenças, adentrando nos mais diversos terreiros do Brasil e dando nossa contribuição de bom convívio. O povo negro sempre se destacou no convívio conflitivo, na arrogância de culto ancestral e na criação neurótica de mimimis e insanidades mentais onde o povo branco era sempre o culpado. Hoje, após 30 anos da real liberdade do povo negro vemos a contribuição pacífica branca no seio ds comunidade brasileira. Quero deixar registrado os desejos do governo brasileiro de harmonia e dignidade econômica aos países africanos nos disponibilizando para acordos unilaterais e pactos cristãos de boa relação ” Silêncio. Nenhum aplauso. E um raio de Nzazi estremecia o céu africano.